
É fato que o
Tremendão sempre viveu à sombra do bom moço
Roberto Carlos. Numa época de grande ingenuidade musical, os dois assumiam papéis de
Telecatch, onde Roberto seria uma espécie de
Ted Boy Marino e Erasmo, o
Coveiro. Papéis criados, cada um ficou com seu pedaço da torta. Roberto ficava com as flores e amores, enquanto Erasmo era o sexo, as drogas e o
rock n' roll. Isso acabou por dar ampla vantagem mercadológica a Roberto, que era o queridinho na mídia. Restou a Erasmo a imagem de bad boy.
Mas enquanto sua contraparte boazinha colhia os frutos do sucesso, grande parte por causa das parcerias com o
Tremendão, Erasmo seguia à margem dos flashes, dadas as devidas proporções. Mas em seu favor havia uma grande competência musical e fluidez de estilos. Roberto não produzia nada além de seus
standards românticos cada vez mais bregas. Erasmo, ao trocar de gravadora após o declínio do iê-iê-iê, partiu para o experimentalismo, alimentando-se de soul e samba, com as necessárias pitadas de rock. E eis que surge esse disco fantástico, o
Carlos, Erasmo, que conta com participações mais que especiais de
Sérgio Dias,
Liminha,
Lanny Gordon e a
Caribean Steel Band.
Para o ano, 1971, após o fim recente da
Jovem Guarda, o álbum deve ter soado escandaloso para boa parte dos fãs, acostumados com o mamão-com-açucar. E mesmo sob a mira da ditadura, Erasmo conseguiu colocar no mercado uma música como
"Maria Joana" que fala exatamente disso que o título diz. O disco já começa com uma festa deliciosa em
"De Noite Na Cama", escrita por
Caetano Veloso pro Tremendão. Cuíca, berimbau, guitarra discreta que dá o tom, e uma galera da porra arriando no fundo e aparecendo pra cantar o refrão.
Depois, vem uma balada melosa,
"Masculino Feminino", em dueto com
Marisa Fossa (apropriado, não?). Mas é uma bela música. Segue um rockão,
"É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo", tocado com competência. Meio bluseiro, meio soturno. E ele manda bem na funkeada
"Dois Animais Na Selva Suja Da Rua".
"Gente Aberta" é uma balada suingada, que em alguns momentos tem uma linha de baixo semelhante à de
"Ramble On", do
Led Zepellin.
Pra fuder a merda, ele manda
"Agora Ninguém Chora Mais", de
Jorge Ben, num cover fantástico, onde não se percebe a voz de Erasmo, perdida em meio ao coro de vozes sobrepostas. Um dos pontos altos do álbum.
"Mundo Deserto" é outra das minhas preferidas. Um disco-rock-soul-funk, mais uma vez permeado por coros e muitos metais. Metais que se repetem em
"Ciça Cecília", que foi tema de novela. A já citada
"Maria Joana" encerra o disco como ele começa. Com festa, mais berimbau e a
Caribean Steel Band na percurssão. Chave de ouro.
01. De Noite Na Cama
02. Masculino, Feminino
03. É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo
04. Dois Animais Na Selva Suja Da Rua
05. Gente Aberta
06. Agora Ninguém Chora Mais
07. Sodoma E Gomorra
08. Mundo Deserto
09. Não Te Quero Santa
10. Ciça, Cecília
11. Em Busca Das Canções Perdidas Nº 2
12. 26 Anos De Vida Normal
13. Maria Joana
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